quinta-feira, 20 de abril de 2017

Vasco da Gama

Vasco da Gama é uma das figuras mais relevantes da história de Portugal e um dos grandes vultos da história europeia no início dos tempos modernos.

Nenhuma terra portuguesa ficou tão ligada a Vasco da Gama como Sines da mesma forma como Vasco da Gama não se ligou a nenhuma outra terra como a Sines. Ele tinha Sines na alma. Toda a vida, Vasco da Gama teve um sonho: ser conde de Sines. Acaba por não chegar a realizar esse sonho mas isso indica-nos que Sines era uma terra que deveria conhecer desde a infância. O alcaide do castelo de Sines era pai de Vasco da Gama e este terá nascido provavelmente no próprio castelo. Apesar de não haver nenhum documento que relate o seu nascimento (uma vez que na época não era dado qualquer relevo ao nascimento das pessoas) as probabilidades do nascimento se ter verificado no castelo são muito elevadas. Conhecem-se perfeitamente as circunstâncias da morte de Vasco da Gama mas quanto ao nascimento não há dados fiáveis. Mesmo quanto à sua data de nascimento não existe nenhum documento ou qualquer indício que possa dar uma forte evidência de uma data. Sabe-se apenas que nasceu entre 1465 e 1475 e que era filho de Estevão da Gama, o alcaide do castelo de Sines, e era o segundo filho, tendo um irmão mais velho chamado Paulo da Gama.

Um dos problemas curiosos que os historiadores tiveram que resolver era o porquê de ser o irmão mais novo a comandar a expedição que descobriu o caminho marítimo para a Índia, sendo que, naquela época, era norma que fosse o filho varão a assumir as maiores responsabilidades e continuar as tarefas e negócios familiares. A hipótese do Prof. José Hermano Saraiva é de que Vasco da Gama seria o irmão mais forte, mais vigoroso e com maior resistência física. Paulo da Gama, ao que tudo indica não seria uma pessoa particularmente resistente, tendo sido sempre de saúde frágil. Talvez por isso, D. Manuel tenha confiado o comando da armada ao irmão mais novo, ou, mais provavelmente, aos dois irmãos. No entanto, seria Vasco da Gama a impôr-se como o mais enérgico e capaz de suportar fisicamente a empresa. Aliás, o irmão mais velho acabará mesmo por morrer na viagem de regresso da Índia. É assim, compreensível que Vasco da Gama tenha ficado conhecido como o único comandante da viagem à Índia.

Em Sines, é já tradição há muito tempo que Vasco da Gama tenha de facto nascido no castelo da vila. O castelo foi construído no reinado de D. Pedro I por alturas da morte de Inês de Castro (v. Crónicas de Fernão Lopes), tendo uma arquitectura simples que indica funções quase exclusivamente militares. Sem dúvida que, sendo Vasco da Gama filho do alcaide do castelo terá andado no castelo e nas zonas circundantes. Foi também neste castelo que se fez uma exposição, em 1998, sobre Vasco da Gama: a exposição "Vasco da Gama e a sua época". A exposição tinha um núcleo no castelo e outro na igreja das Salvas, uma igreja mandada reconstruir pelo próprio Vasco da Gama quando já era vice-rei da Índia.

Estevão da Gama era um homem forte e corajoso e da confiança do rei D. João II. Apesar de se saber que a família Gama teria prestado grandes e muitos serviços à coroa apenas há registos de um pois era aquele que era mais contado e que chegou até aos nossos dias. Numa determinada altura D. João II teve necessidade de um agente seu numa cidade do Norte de África que desejava conquistar. Terá então enviado Estevão da Gama que fez a viagem miseravelmente vestido de vendedor de figos secos. Como vendedor de figos secos foi fácil a Estevão da Gama circular com a sua canasta de figos pelas ruas e praças da cidade em que o rei estava interessado e conseguir assim as informações geográficas - físicas e humanas - que tanto interessavam ao monarca português.

Este episódio serve também para mostrar que a lenda de que Vasco da Gama seria descendente de uma família fidalga não passa de lenda popular. Nenhum monarca da altura encarregaria um monarca de fazer um serviço como este que vimos. Seria contra a mentalidade da época. Para mais, é sabido que el-rei D. João II tinha vários servidores talentosos recrutados entre pessoas de classes sociais ditas humildes e que não estaria apenas dependente dos seus conhecimentos junto do clero e nobreza. D. João II podia assim requisitar qualquer serviço, por muito estranho e invulgar que fosse sem que lhe fossem colocadas questões ou sem necessitar de fazer perigar a sua posição política. Este monarca, aliás, costumava dizer que os países são como o mar tendo muitas espécies de peixes diferentes: o salmonete que é muito bom mas muito caro, faz-se pagar e é difícil de apagar e a sardinha que existe em abundância, é saborosa e não custa quase nada. E D. João II usualmente concluía "eu sou pela sardinha" querendo significar com isto que procurava apoio nas classes populares sempre que o podia fazer. E, de facto, no seu reinado conseguiu todo o apoio político das classes populares.

Era frequente servir-se de agentes como Estevão da Gama, decididos, corajosos, capazes de correr quaisquer perigos necessários. Era por serviços como o descrito acima que Estevão da Gama era alcaide do castelo. De notar também que o castelo não dependia do rei mas sim da Ordem de Santiago. A sede da Ordem de Santiago era no castelo de Palmela uma vez que era aí que estava o mestre da Ordem, D. Jorge (filho do rei D. João II). Assim, D. Manuel podeia gostar muito de Vasco da Gama, mas Sines não pertencia ao rei D. Manuel pertencia a D. Jorge filho do rei D. João II, o monarca da altura de Estevão da Gama. D. Jorge era o homem que o rei D. João II quis que fosse rei. Acaba por não o ser pois em Roma estava o cardeal Alpedrinha e o cardeal D. Jorge da Costa inimigos do rei D. João II que conseguiram dispôr as coias de forma a que a Santa Sé nunca reconhecesse que D. Jorge era filho do rei D. João (mesmo apesar de D. João o ter criado como seu filho e como sucessor da coroa portuguesa). Como Roma não o legitimou D. Jorge não pôde herdar o trono e em vez de ser o filho de D. João II a herdar acabou por ser o primo D. Manuel.

Estes factos não viriam a perturbar a condução dos assuntos de Estado nem sequer a causar qualquer perturbação familiar entre os dois primos (D. Jorge e D. Manuel) uma vez que D. Manuel sempre tratou dos assuntos de seu primo com todo o cuidado. Foi por isso que D. Manuel não se conseguiu impôr enquanto monarca quando quis dar a vila de Sines a Vasco da Gama por serviços prestados: seu primo, que era a cabeça da Ordem detentora da vila não concordou. D. Manuel não teve a coragem e não quis passar por cima da autoridade do filho do anterior rei. Foi preciso que Vasco da Gama esperasse 20 anos até ser conde em 1518. A promessa de que seria feito conde ocorreu logo após a descoberta do caminho marítimo para a Índia em 1498. E, mesmo após esse tempo acaba não por ser conde de Sines mas antes da Vidigueira e Vila de Frades. É após a compra destas duas localidades por Vasco da Gama e após ter sido feito conde que Vasco da Gama se passa a auto-intitular Almirante-conde e passa a rodear-se de um fausto quase real.

Vasco da Gama entrou na história por ter sido o comandante da expedição que descobriu o caminho marítimo directo desde Lisboa até à Índia. Na altura da descoberta já todos os países europeus conheciam a Índia e sabiam onde ficava. A Índia abastecia a Europa de especiarias que eram uma mercadoria preciosa devido ao seu uso na alimentação (conservação e uso culinário), medicina, farmácia, fabrico de colas, de tintas e perfumes. O mecanismo de conseguir as especiarias era algo complexo e passava por vários intermediários o que as tornava um produto particularmente caro e difícil de obter. Normalmente eram mercadores árabes que da Índia as traziam até à região do Médio Oriente e do Mediterrâneo Oriental. Quem fazia a distribuição para a Europa Ocidental eram normalmente as cidades italianas tradicionalmente ocupadas no comércio com o oriente.

Daí que, desde há muito tempo que a generalidade dos países da Europa Ocidental procurassem encontrar uma forma de achar o caminho marítimo para o oriente. É isso que leva Cristóvão Colombo a propôr ao rei de Portugal, D. João II, uma tentativa de descoberta da Índia mas através de uma circunavegação (navegando sempre para Ocidente em linha recta até chegar ao oriente ao invés de tantar navegar para Oriente). D. João II tinha muitas dúvidas acerca da eficácia da tentativa de Cristóvão Colombo. Se bem que os argumentos de Colombo pudessem ter colhido simpatias junto do rei português, este estava interessado numa viagem que efectivamente lhe trouxesse o resultado seguro da descoberta do caminho para a Índia e não hvia nenhuma certeza de que Colombo não fosse encontrar obstáculos demasiado grandes pelo caminho. Colombo haveria de encontrar um obstáculo que julgou ser a Índia de início: a América.

De qualquer forma D. João II não cede e não ordena a expedição de Colombo acabando por ser os reis católicos mais tarde a fazê-lo. É sim, D. Manuel que ordena aos irmãos Gama que preparem a expedição. Vasco da Gama embarca então como comandante numa expedição cujo primeiro objectivo era descobrir se, navegando para Oriente, seria possível chegar à Índia. A expedição sai com duas naus feitas de propósito p aquela expedição (S. Gabriel e S. Rafael) uma caravela chamada Perreo e há alguns historiadores q defendem a inclusão de um quarto navio, um velho navio carregado de abastecimentos. A expedição sai de Lisboa em 8 de Julho de 1497 com cerca de 150 homens, do local onde hoje estão os Jerónimos. Daí que, ainda hoje, o dia 8 de Julho seja o dia da Marinha em Portugal. A viagem durou dois anos. Chegaram a Calecute em 28 de Maio de 1498 onde encontraram dificuldades em conseguir acordos comerciais com o Samorim de Calecute. Regressam depois a Portugal numa viagem dramática. A viagem de regresso enfrentou ventos contrários (só p atravessar o Índico levaram mais de três meses), todos os dias morriam marinheiros vítimas de escorbuto. Quando chegaram a Lisboa em finais de Agosto de 1499, já só eram 30 dos 150 que tinham partido.

Apesar das dificuldades Portugal ficou, com aquela viagem, com uma importante posição no comércio das especiarias e com a descoberta mais decisiva da passagem da Idade Média para a Idade Moderna: a ligação marítima entre ocidente e oriente. Havia também uma questão mais pessoal. Colombo tinha sido nomeado pelos reis católicos almirante-mor do mar das Índias (apesar de não ter descoberto o caminho para a Índia) e existia alguma picardia entre os monarcas espanhóis e o português por esse facto. Quando a expedição portuguesa chega a Lisboa, D. Manuel nomeia imediatamente Vasco da Gama almirante-mor das Índias para mostrar que, afinal, o caminho para a Índia tinha sido descoberta por ele e não por Colombo. D. Manuel foi generoso com Vasco da Gama e, em pouco tempo, fez dele um homem rico.

Mas depois desta expedição Vasco da Gama volta ainda a prestar grandes serviços ao rei. Para a armade seguinte, cerca de 1500, já é nomeado comandante um fidalgo. Na primeira viagem, o desconhecido e as hipóteses de se perder totalmente a armada levaram a que se nomeasse Vasco da Gama, na altura um mero escudeiro. Desta feita, o elemento desconhecido era mais reduzido, as hipóteses de sucesso eram maiores e então o monarca nomeia Pedro Álvares Cabral comandante da expedição. Como se sabe foi esta expedição que descobriu o Brasil. Mas esta expedição foi mal sucedida: os portugueses que foram deixados na Índia acabam chacinados devido a intrigas entre mercadores. Ao que parece a rivalidade com os mercadores muçulmanos teria cabado num banho de sangue tendo sido os portugueses todos mortos. Isto faz com que a coroa perceba que não poderá fazer concorrência comercial no oriente sem considerar o aspecto militar.

Assim, D. Manuel volta a chamar Vasco da Gama e, desta feita, fornece-lhe uma armada com 20 navios com cerca de 3.000 homens, muita artilharia e encarrega-o de voltar à Índia vingar a chacina dos portugueses, tomar e defender a feitoria onde os portugueses se tinham instalado. Vasco da Gama regressa à Índia em 1502 tendo resolvido a questão com uma ferocidade que em pouco tempo o terror estava espalhado na região pois o rasto de sangue deixado pela expedição teria sido muito grande. Ao mesmo tempo que espalha o terror deixa afirmado o poder da coroa portuguesa do séc. XVI conseguido com isso obter benefícios económicos importantes. Durante muito tempo hindus e muçulmanos não molestam mais qualquer português.

Após essa expedição volta para Sines. Estava a construir uma casa apalaçada quando o mestre da Ordem de Santiago, D. Jorge, protestou contra a construção da casa devido a não ter dado permissão para novas edificações num região controlada por si. O rei D. Manuel é obrigado a enviar uma carta a Vasco da Gama onde lhe dá 30 dias para abandonar a vila de Sines levando a família e proibindo-o de regressar à vila. Ao que se sabe isto terá desgostado bastante Vasco da Gama, ao ponto de o fazer desejar abandonar o país. Envia um pedido ao rei onde pede permissão para ir servir o país noutras terras. Mas o pedido é recusado.

Mais tarde os serviços de Vasco da Gama voltam a ser necessários. Desta feita não se tratava de reforçar a posição portuguesa militarmente ou de criar as condições de segurança para a presença portuguesa na Índia. Acontece que a presença portuguesa na Índia se tinha desleixado permitindo um aumento da corrupção, preguiça, desrespeito pelas ordens e interesses da coroa... Nesta altura, 1524, Vasco da Gama não é já um homem novo tendo já passado dos cinquenta anos. Com a sua idade e o desgaste de uma vida ao serviço da coroa sempre em missões difíceis ao fim de três meses de chegar à Índia morre devido ao esforço, à violência de mais uma viagem e do trabalho que encontrou pela frente. Ele tenta, em três meses acabar com alguns anos de desorganização.

Apesar de ser considerado um herói nacional, Vasco da Gama é uma figura não muito celebrada em Portugal. Em todo o país há pouquissimas estátuas desta personagem. A localidade onde se sente mais a sua presença continua a ser Sines.

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