domingo, 23 de abril de 2017

A Casa de Bragança

O nome que domina a Batalha de Aljubarrota é D. Nuno Álvares Pereira. É ele quem planeia a batalha e quem comanda a vanguarda, é ele quem atrai os castelhanos à derrota. Existe consenso entre os historiadores da época e os actuais: a grande personalidade dessa batalha é o condestável D. Nuno Álvares Pereira.

Quem reinava em Portugal na altura da batalha era El-rei D. João I. D. João I tinha sido Mestre de Avis (ou seja, o chefe, o comandante, da Ordem monástico-militar que tinha, nessa altura, a sua sede em Avis) antes da sua coroação. Era um filho bastardo do rei D. Pedro e tinha sido desde criança Mestre daquela Ordem militar o que tinha sido uma maneira de lhe dar uma renda, uma forma de viver. Mais tarde liderou uma revolta popular quando morre o rei D. Fernando e é isso que acaba por o levar ao trono. Seria aclamado rei de Portugal nas cortes de Coimbra. A partir do momento em que passa a ser rei de Portugal deixa de ser Mestre de Avis.

Foi exactamente por causa do papel que Nuno Álvares tomou na Batalha de Aljubarrota que o rei lhe deu recompensas enormes. Nessa altura havia em Portugal três condados, isto é, três regiões administradas por condes: o condado de Barcelos, o condado de Ourém e o de Arraiolos. O rei, agradecido pelo papel desempenhado por Nuno Álvares na sua ascensão ao trono (ver crónicas de Fernão Lopes), pelo seu papel na Batalha de Aljubarrota e na defesa anterior do reino contras as tropas do rei de Castela e pela sua amizade e confiança que nele depositava, fê-lo conde de Ourém, de Barcelos e conde de Arraiolos. Deu-lhe todos os três condados existentes no país. Para além disso deu-lhe dezenas de vilas tornando Nuno Álvares mais rico do que o próprio rei.

Nuno Álvares viria a casar com uma fidalga do Norte do país, da zona de Trás-Os-Montes e teve uma filha do seu casamento: D. Beatriz – ou Brites, como se dizia na época. Essa filha, sendo filha única, herdou toda a fortuna do Condestável.

O rei, D. João I, tinha um filho fora do casamento com uma rapariga alentejana chamada Inês Pires, filha de um homem de Veiros de quem ninguém sabe o nome tendo passado para a história com o nome de Barbadão. A filha do Barbadão teve um relacionamento com o Mestre da Ordem de Avis e desse relacionamento nasce um rapaz que se chamou Afonso e que foi viver para a cidade de Leiria. Foi apenas aos vinte anos que o pai o perfilha, legitimando-o como seu filho no ano de 1400. No ano seguinte, 1401, casa esse seu filho com a filha do Condestável. D. João I consegue assim habilmente que o maior conjunto de bens do país (vilas, castelos, condados, zonas agrícolas e de caça, rios, etc.) acabe por ficar na posse do seu próprio filho. E é assim que nasce a Casa de Bragança.

Descendência do Condestável D. Nuno Álvares Pereira

Quando esse filho de D. João I, D. Afonso, casou com a filha de Nuno Álvares, este deu ao genro um dos três condados fazendo-o conde de Barcelos. Ainda hoje em Barcelos está o palácio que esse conde D. Afonso mandou fazer apesar de apenas existir parte dele (no distrito chegaram a começar a demolir o palácio mas de Lisboa foi enviada ordem para se parar com a obra).

Do casamento de D. Afonso com a filha de Nuno Álvares nascem alguns filhos. O mais velho é D. Afonso. Este D. Afonso está sepultado em Ourém sozinho porque nunca chegou a casar e morreu mesmo antes do pai. Daí que quem vem a suceder ao pai é o seu filho mais novo, D. Fernando.

Quando Nuno Álvares Pereira já estava velho deu o condado de Ourém ao neto D. Afonso e Arraiolos ao neto D. Fernando. D. Fernando mais tarde viria a ser feito marquês de Vila Viçosa e passou a viver no velho castelo de Vila Viçosa. Ainda hoje o castelo é um monumento imponente e é o antepassado do palácio de Vila Viçosa. Quando este D. Fernando sucede ao pai já este tem o título de duque de Bragança e não só de conde de Barcelos.

D. João I, depois de casar com D. Filipa de Lencastre teve vários filhos: o futuro rei D. Duarte, o infante D. Pedro das sete partidas, o infante D. Henrique o infante das navegações, o infante D. João que viria a viver em Palmela como Mestre de Santiago, o infante D. Fernando o mártir de Fez e D. Isabel que foi duquesa de Borgonha e que teve uma intervenção significativa na história da Europa (é esta a ínclita geração).

Todos os seus filhos foram feitos duques excepto aquele que tinha tido fora do casamento, o primogénito que era filho da Inês Pires e neto do Barbadão. O que, de alguma forma, era injusto uma vez que além de primogénito D. Afonso era tão filho de D. João como todos os outros.

Depois de morrer D. Duarte, sucede-lhe na regência o infante D. Pedro. Em 1442, o infante D. Pedro numa atitude fraternal faz o irmão D. Afonso duque. E fá-lo duque de Bragança dando-lhe toda a zona de Bragança incluindo o castelo construído por D. Dinis. Assim, todos os filhos legítimos eram todos duques de cidades (D. Pedro era duque de Coimbra, o infante D. Henrique era duque de Viseu, D. Fernando de Beja) e D. Afonso era duque de uma vila pois Bragança, ao tempo, era ainda uma vila. Mais tarde, no tempo de D. Afonso V, Bragança é elevada a cidade para ter tanta dignidade real como todos os outros ducados.

Bragança é elevada à categoria de cidade em homenagem ao príncipe D. Fernando, o segundo duque de Bragança.

O segundo duque de Bragança ficou na história como uma pessoa de grande categoria. Intervém, assumindo um papel apaziguador,  num conflito trágico entre o seu pai, D. Afonso, e o infante D. Pedro. Do conflito viria a resultar a morte deste último. D. Fernando serve em Ceuta e, quando morre, deixa tudo quanto tem a um filho que também se chamava Fernando. Era também um bom administrador. Foi adquirindo novas terras e as ajudas que prestou a Afonso V, o Africano (cognome derivado das conquistas africanas), renderam-lhe também muitas ofertas por parte da casa real.

Depois da morte de D. Afonso V, sucede-lhe D. João II, o Príncipe Perfeito. D. João II encontra-se numa posição incómoda para um rei. É que, apesar de ele ser o monarca, são os duques de Bragança que detêm quase tudo no país. Para mais, os duques são orgulhosos e por vezes assumem atitudes de quem se considera praticamente rei. Num certo paço do duque de Bragança encontram-se cerca de 500 fidalgos ao serviço do duque. Em caso de guerra os duques de Bragança podem levantar exércitos de milhares de homens. O rei acha esta situação bastante desconfortável uma vez que, no país quem tem o maior poder económico e militar é o duque de Bragança. É isto que vai originar a morte do filho deste D. Fernando, o D. Fernando II.

D. Fernando II é acusado pelo rei D. João II, de quem era primo e cunhado, de estar a conspirar para conseguir ser rei. Até hoje, nem nos arquivos portugueses nem nos arquivos espanhóis apareceu qualquer documento que possa convencer-nos de que tal conspiração tenha de facto existido. Os documentos existentes indicam até o contrário, que tudo não terá passado de um plano arquitectado pelo Príncipe Perfeito para destruir o poder do chefe da nobreza portuguesa.

D. Fernando II viria a ser julgado num julgamento preparado, condenado à morte, executado e é extinta a Casa de Bragança. Todos os bens dos antigos duques da Casa de Bragança são distribuídos pelos nobres inimigos dos duques e uma boa parte fica para a coroa de Portugal. Isto acontece em 1483 e durante 17 anos não houve Casa de Bragança. A duquesa, viúva, teve que fugir de Portugal levando o seu filho de 4 anos, D. Jaime, para Castela onde seriam muito bem acolhidos e tratados.

Quando morre D. João II em condições misteriosas (naquela altura a impressão geral é que se tratara de um homicídio) sucede-lhe o rei D. Manuel que fazia parte da Alta Nobreza e que era muito ligado aos antigos duques de Bragança. D. Manuel, em 1500, reconstitui a Casa de Bragança. Volta a haver duque de Bragança e é precisamente o menino que tinha fugido com a mãe para Castela: D. Jaime.

D. Jaime, apesar de inteligente era um homem desequilibrado devido à vida de foragido e desequilíbrio familiar que tinha tido o que viria a ocasionar uma tragédia em Vila Viçosa. Um dia teve uma suspeita sem qualquer razão acerca da fidelidade da mulher e à punhalada põe-lhe termo à vida. Manda também matar um rapaz alcoforado sem idade para ter espada (um adolescente de 14 ou 15 anos) que dizia ser o amante da duquesa.

D. Manuel envia juízes a Bragança fazer uma devassa (ou seja, saber o que se tinha passado). Os juízes, depois de terem andado por Bragança nas suas investigações dizem que nada ficou provado. Testemunham de facto o enterro da duquesa e o desaparecimento do rapaz (provavelmente queimado) mas afirmam não saber o que se passou e não ter provas de homicídio nenhum. Isto passa-se em 1512 ou 1513. No ano seguinte, o duque D. Jaime organiza uma expedição militar com 7.000 homens para conquistar uma praça do Norte de África e deixou de se falar do assunto da duquesa e do rapaz mortos. Mais tarde, este 4º duque de Bragança volta a casar mas não quer já viver no palácio velho dizendo que lhe aparecia lá o fantasma do pai, o duque degolado. Manda por isso fazer um novo palácio. Ainda hoje existe esse palácio, ficando á direita do palácio de Vila Viçosa.

O 5º duque, D. Teodósio, não quis, por sua vez, viver no palácio que seu pai, D. Jaime, tinha construído pois via, no palácio novo, o fantasma da mãe e ordena que se faça um novo palácio que é hoje o grande palácio ducal de Vila Viçosa. Foi aí que viriam a viver todos os outros duques.

Os duques importantes para nós, são o filho de D. Jaime, D. Teodósio, construtor do palácio. O duque João, cuja mulher quis ser rainha de Portugal, por alturas do ano de 1580. Depois há outro Teodósio e de novo outro João. Com esses dois Teodósios há uma história curiosa Há um soneto de Camões dedicado a um deles, É um soneto que começa “os reinos e os impérios poderosos...”. Trata-se de um soneto algo áspero, não muito agradável esteticamente. Os historiadores defenderam que esse soneto deveria ter sido feito por Camões quando este era ainda muito novo e ainda não era o poeta de dimensão que viria a ser e assim esse soneto deveria ter sido feito ao primeiro D. Teodósio. Não foi. Foi ao segundo que era neto do primeiro e o soneto não é bom porque o Camões não era novo, era velho. E é evidente que o soneto é feito ao segundo porque não diz que seja ao duque de Bragança. O soneto é muito claro. Chama-lhe “grão sucessor e novo herdeiro”, logo herdeiro do ducado de Bragança. Mais, diz que aquele Teodósio praticou feitos iguais ao sangue (o sangue era considerado ilustre) mas maiores que a idade (ou seja, feitos impróprios, maiores, que a sua idade) o que tem a ver com o seguinte: o duque D. João não quis ir à Batalha de Alcácer-Quibir mas enviou o filho que tinha apenas 10 anos. Nessa batalha D. Teodósio foi aprisionado numa carruagem pelos mouros e mais tarde os Filipes de Espanha resgataram-no. Em Portugal disse-se que o menino tinha feitos heróicos, feitos “iguais ao sangue, mas maiores que a idade”.

Este segundo Teodósio a quem Camões fez o soneto veio a ser o pai do duque D. João que seria escolhido para rei de Portugal como rei D. João IV. É o rei da Restauração, o rei cuja estátua equestre está em Vila Viçosa. E, a partir daí, os duques de Bragança foram sempre os filhos mais velhos dos reis de Portugal. O título ainda hoje existe. Ainda hoje há um duque de Bragança que já não é o dono da Casa de Bragança (que é propriedade do Estado através de uma fundação) mas o título continua a existir e é reconhecido em todo o mundo.

A Fundação Casa de Bragança mantém todas as lembranças desses períodos da nossa história. Quem quiser conhecer a história dos duques de Bragança deve começar pelo castelo de Bragança, em Trás-Os-Montes e acabar no palácio de Vila Viçosa no Alentejo.

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